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David Calle: “É preciso sair da zona de conforto para chegar mais longe”

David Calle: “É preciso sair da zona de conforto para chegar mais longe”

  • Agosto 06, 2019

David Calle é engenheiro de telecomunicações e fundador da  Unicoos, um canal de vídeos no YouTube e do site unicoos.com, uma academia online com centenas de vídeos sobre matemática e ciências. Calle ficou classificado entre os 10 finalistas do  Global Teacher Prize 2018, “o Nobel da educação”, e recebeu o prémio “Youtuber do ano” nos  prémios Bitácoras 2016. É considerado pela revista Forbes como uma das 100 pessoas mais criativas do mundo. Nesta entrevista, traça o seu percurso profissional desde o desemprego ao desenvolvimento do seu projeto pessoal para ajudar gratuitamente milhões de alunos a serem melhores e a alcançar os seus objetivos.

“Encontrei a minha vocação graças a ter ficado desempregado”.

Comecei como professor e comecei toda esta aventura da Unicoos por acidente. Quando fiquei desempregado, pensei obviamente que era algo traumático. Ainda por cima, tinha uma filha pequena que tinha acabado de nascer e era um grande problema. Comecei a dar aulas na mesma academia na qual tinha trabalhado quando estudava na universidade, porque quando o diretor tomou conhecimento de que eu tinha ficado desempregado, ligou-me de imediato. Pensei que seria algo apenas temporário até arranjar um trabalho de engenheiro, mas descobri que adorava dar aulas. Visto em perspetiva, tive a grande sorte de ficar desempregado e de poder, assim, encontrar a minha vocação. E aquilo que ia ser apenas temporário acabou por se converter na minha profissão. Montei a minha própria academia dois anos mais tarde.

E depois comecei com o YouTube, há já seis anos. Demorei seis meses a decidir gravar o meu primeiro vídeo, porque era muito envergonhado. Pensava que o tempo que dedicava aos meus alunos não era suficiente e que era importante que os meus alunos tivessem alguma ajuda extra para rever a matéria em casa, quando estavam sozinhos. Custava-me muito fazer com que aprendessem tudo o que eu acreditava que eles necessitavam a fim de poder evoluir. Além disso, muitos alunos tiveram que desistir da academia por causa da crise, e dava-me muita pena abandoná-los. Pensei que se publicasse vídeos no YouTube, seria uma solução.

Não era a maneira mais cómoda, mas costumo dizer que  é preciso sair da zona de conforto, tanto aos  jovens como aos professores. Que se fizermos tudo aquilo que sempre fizemos, nunca iremos mais longe, e que os fracassos e as crises são as melhores oportunidades para empreender e para evoluir.

Qualquer pessoa pode mudar o mundo.

Fiquei impressionado com a entrevista de Steve Jobs na qual ele falava precisamente do fracasso. Foi despedido da sua própria empresa. Reinventou-se com a Pixar, voltou à Apple e inventou o iPad. Dizia que, se tivermos os olhos abertos, é com os fracassos que mais aprendemos. E aos jovens, insisto muito nisso, que não se preocupem em chumbar, porque eu também chumbava…

Digo-lhes que olhem para o exemplo da Unicoos, que não é nada fácil, que deu muito trabalho, que ainda não chegámos a conseguir nem metade daquilo que adoraria conseguir, e que pelo caminho surgiram obstáculos de todos os tipos. É muito difícil sustentar um projeto como este, grátis para todos, e tratar de encontrar recursos que o tornem sustentável. Já fui a milhares de reuniões à procura deles e felizmente  não baixei os braços, apesar de não me darem muita importância, porque, com todas elas, aprendi uma coisa pelo caminho: há sempre algo novo para contar, algo novo para dizer, algo novo para fazer a fim de poder melhorar, e já tentei de tudo, inclusivamente candidatar-me ao Global Teacher Prize. Bom, candidatar-me não. Os meus alunos enviaram anonimamente a minha candidatura, e até isso que parecia impossível, veja no que deu. E se não se conseguir, não há problema. O importante é desfrutar e tentar com todas as nossas forças. É o que nunca me canso de dizer aos meus “unicoos”, que trabalhem, que se esforcem, que lutem por ser o melhor que podem ser.

Isto não é fácil e é um grande desafio! Porque mentalmente não estamos preparados nem nos educaram para assumir essa filosofia. Não ensinamos às novas gerações  a ultrapassar obstáculos, são demasiado protegidas por nós, e é necessário incentivá-las a fazê-lo. Além disso, temos que transmitir aos jovens que os professores estão aqui para os ajudar, que não somos o inimigo deles, mas sim os companheiros de viagem deles.

A chave da Unicoos foi, sem dúvida, o trabalho e a perseverança. E, evidentemente, vinte anos de experiência  dar aulas e a lutar contra dúvidas de todos os tipos, com alunos de todos os tipos. Tudo isto, e pelo fato de ser engenheiro, faz com que os meus vídeos sejam um pouco diferentes dos outros.

Faço com que os vídeos sejam dinâmicos e divertidos, mesmo que, por vezes, não sejam possível tornar uma matriz ou uma integral numa coisa divertida. Tento relacionar tudo o que fazemos na aula de ciência com o que os alunos gostam, com aquilo que os apaixonam, com os super-heróis deles, com os videojogos. E dizer-lhes que  tudo o que eles adoram tem a ver com a tecnologia, e para isso precisam da matemática e da física. Que podem mudar o mundo, se quiserem, porque têm todas as possibilidades ao seu alcance.

Faço ver aos meus alunos que se Newton ou Tesla ou Copérnico ou qualquer uma dessas mentes brilhantes tivessem chegado a ter um computador ou acesso à Internet, por exemplo, nem podemos imaginar o que eles teriam conseguido. Com a ideia de que sejam conscientes de que, com aquilo que está ao seu alcance e com as suas capacidades, não há praticamente limites, podem conseguir praticamente qualquer coisa.

Procuro fazer  despertar também a curiosidade deles e que se questionem sobre o porquê das coisas, o que se passa à volta deles, porque esta geração também perdeu isso: encontram sempre uma resposta no Google, têm todas as respostas ao seu alcance, têm provavelmente menos curiosidade por aprender.

E, para mim, os pontos-chave de um professor são a paixão e a empatia. Se conseguir transmitir paixão por tudo aquilo que ensina e sentir empatia para com os seus alunos, já conquistou praticamente tudo. Depois, a partir daí, apenas terá que lhes explicar equações, mas isso é mais fácil.

O dinheiro não é tudo na vida

A Unicoos dá-me a satisfação pessoal de voltar a casa todos os dias muito satisfeito com o que fazemos. Não estou a enriquecer com a Unicoos, pelo contrário. Tenho dois outros empregos. É simplesmente a minha paixão, porque considero que, se for dada a mesma oportunidade a todos, o mundo será muito melhor. Parece uma frase feita, mas é a realidade. Comprometi-me desde o primeiro dia a que a Unicoos fosse grátis, copiei o slogan da Khan Academy, que me abriu os olhos. Dizia: “Sempre grátis, para sempre e para todos”.

A primeira coisa que me perguntam os jovens quando lhes falo da unicoos é sobretudo: “Quanto ganhas?”. E digo-lhes que se enganam se pensam que, ao terminar o curso de Telecomunicações, já começam a ganhar 2.000 ou 3.000 € por mês. Que eu tinha três trabalhos. Trabalhava numa lavandaria. Que não há qualquer problema em servir hambúrgueres nem em ser estagiário. Que nunca perguntei qual era o meu horário, mas sim o que é que podia aprender, o que queriam que fizesse… E que agora, com a Unicoos, não ganho nada a não ser conseguir que o projeto no qual acredito funcione.

É que não consigo pensar noutra coisa que não seja dar-lhes tudo o que puder de forma gratuita. É incrível as dificuldades que enfrentam muitos dos meus alunos e as suas famílias. E se puder apoiá-los a todos, por muito pouco que seja, não há melhor coisa que se possa fazer. Além disso, muitos professores já incluem a unicoos.com na suas aulas para lhes darem uma volta. Toda a ajuda que eu lhes puder prestar é pouca.

Além disso, tive a sorte de outros professores e os meus engenheiros, por exemplo, terem começado a trabalhar comigo sem pedir nada em troca, porque também ficaram muito sensibilizados com a mensagem, e graças ao trabalho altruísta de um grande número de professores de todo o mundo, e inclusive de alunos que se ajudam uns aos outros, a Unicoos está a começar a somar muito e a ajudar, precisamente, todos. É provavelmente por isso que tem tantas visitas e tantos seguidores.

Há um ano e meio, por exemplo, uma rapariga de Guatemala escreveu-me para me contar que, graças ao que o seu pai conseguiu poupar nas aulas dela, tinha conseguido construir um poço de água potável para toda a sua aldeia. Os jovens de todos os lugares do mundo dizem-te que ainda bem que existe a Unicoos, porque, senão, não poderiam ter ido para a universidade, não conseguiriam ter passado em determinadas disciplinas porque não entendiam as coisas e não podiam ter um explicador ou andar numa academia. Receber mensagens deste tipo é infinitamente gratificante, são a fonte de energia que nos faz seguir em frente. Certamente não serão os euros.

A colaboração é muito valiosa.

O meu desejo e o meu sonho é que a Unicoos possa ajudar muitos outros milhões de jovens e também professores. Oferecer-lhes tudo aquilo que não param de me pedir, porque me pedem vídeos e materiais de muitas disciplinas, ou lições particulares, ou níveis a que não posso responder. E, para tal, fazem falta recursos que não comprometam a nossa missão, os vídeos e os fóruns devem continuar a ser gratuitos.

E essa é a nossa luta neste momento e é por isso que sempre peço a mesma coisa, recursos para poder ajudá-los mais e melhor. Sem eles, a partir de um sótão, ajudamos dezenas de milhões de alunos em todo o mundo. Imagine se dispuséssemos de mais. Poder pagar aos professores para que gravem vídeos de disciplinas que não domino é suficiente para mim, ou aos meus engenheiros para que programem e melhorem a página Web, por exemplo. Por isso, os últimos acordos de patrocínio que conseguimos estão a ajudar-nos com os seguintes vídeos de eletrónica, química, biologia, desenho… E, em breve, a minha equipa terá funcionalidades em unicoos.com que permitirão aos professores gerir e controlar o seu próprio conteúdo. Porque o mundo está a mudar, o formato audiovisual é cada vez mais relevante, a realidade dos nossos alunos é diferente. E devemos adaptar-nos.

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