David Calle: “Todos temos uma habilidade pessoal que nos diferencia”
- Setembro 17, 2019
Na entrevista anterior, David Calle falou-nos sobre a Unicoos como um projeto motivacional e de empreendedorismo. Nesta segunda parte, dá as suas chaves pessoais acerca da formação e trabalho no século XXI.
A formação deve ser personalizada e criativa
Como professor, insisto sempre com os meus alunos sobre o facto de que aquilo que nos dá valor a todos é aquilo que nos torna diferentes, e quanto mais diferentes formos, mais valor é gerado. A educação passa por aí. É preciso tentar, na medida do possível, dar a cada jovem aquilo que ele precisa, que nem sempre é a mesma coisa.
Na minha academia, tento conhecê-los mais além das aulas, saber que problemas têm, o que se passa nas suas famílias, se foram abandonados pela namorada ou pelo namorado, se têm problemas em casa ou com os seus amigos. Isto porque todos acumulam muitos problemas e nunca se sabe a razão pela qual um aluno está mais ou menos motivado. Se conseguirmos conhecê-los e, sobretudo, se conseguirmos encontrar – o que não é fácil – a paixão ou a capacidade desse aluno, ou a sua habilidade especial, então será imparável. Esta é uma das maiores responsabilidades que têm os pais e os professores: encontrar a capacidade e a habilidade de cada um dos nossos alunos ou filhos. Se encontrarmos aquilo que os torna diferentes, ninguém os parará.
Projetos como a Unicoos contribuem para isso. Os seus vídeos ajudam a que o professor se livre de explicar sempre as mesmas coisas, a ganhar tempo para poder ser mais criativo com os seus alunos e tratar de insistir noutras. Por exemplo, trabalhar em equipa com eles e conhecê-los um pouco melhor. Se os virmos a relacionar-se entre eles, além de adquirirem habilidades sociais importantíssimas, também poderemos conhecê-los melhor e saber como cada um deles é.
Li recentemente um artigo sobre o novo conceito apreensinar, que insiste basicamente em que os alunos se convertam por momentos em professores dos seus próprios colegas. Assim, aprendem a comunicar uns com os outros, interiorizam melhor as lições a aprender e os conceitos-chave. E provavelmente começam a perceber melhores os seus professores, compreenderão melhor o seu trabalho e as dificuldades que enfrentam no dia a dia quando dão a aula. Torná-los protagonistas, porque se o forem, irão levar isso de outra maneira, muito mais ativa e positiva.
Por isso, digo SEMPRE que a Unicoos está AQUI para somar e não para substituir os professores , muito pelo contrário. A relação professor-aluno é insubstituível.
As pessoas devem aprender a defender os seus sonhos e projetos.
Na minha humilde opinião, a educação do século XXI deve centrar-se nas relações pessoais e em valores como o trabalho em equipa, a importância do trabalho duro ou a resiliência. Dispomos de computadores que fazem cálculos em milésimos de segundos, temos toda a informação ao nosso alcance. É evidente que é preciso ensinar as pessoas a distinguir tudo aquilo que encontram na Internet e a distinguir o bem do mal, porque demasiada informação também não é bom.
Mas aquilo em que nos devemos centrar é em criar uma geração à qual não custe expressar as suas opiniões em público nem falar em público, que o faça sem faltar ao respeito a ninguém e que aprenda também a colaborar em equipas multidisciplinares. A chave para mim é que as pessoas saibam trabalhar em equipa e saibam defender os seus sonhos e os seus projetos de maneira adequada. Isto porque conheci jovens que são muito bons, pessoas inteligentíssimas na universidade, quando estudei Telecomunicações, por exemplo, mas que careciam de certas habilidades sociais que os impediam de alcançar, provavelmente, alguma das suas metas.
Eu digo aos meus alunos que não é preciso ser muito bom a matemática, pelo contrário, mas sim ser uma pessoa trabalhadora e capaz de se relacionar com os outros, com curiosidade, sempre atenta para aprender sobre tudo aquilo que a rodeia. Por isso é que insisto no trabalho colaborativo. Falando entre eles, tentando defender as suas ideias sem faltar ao respeito, aprendendo com os outros, poderão converter-se em pessoas íntegras e trabalhadoras. E não paro de insistir com eles sobre o facto de que eles não têm limites.
Considero também importante recuperar o respeito para com os professores. E disso não me posso queixar, porque a Unicoos é dos canais do YouTube com menos dislikes (menor percentagem de «não gosto»). De facto, acho que só tenho dois haters, só isso. ?
Liderar é conectar talentos
No outro dia, na Fundação Princesa de Girona , conheci uma professora holandesa com cuja palestra fiquei fascinado. Relatava que na Holanda têm uma disciplina – desde o 6º ao 9º ano do ensino básico espanhol – que se intitula Desafios. Um espetáculo. O primeiro ano ajuda os alunos a decidir “quem sou ou como sou”. O segundo ano, “o que gostaria de ser”. O terceiro, “como conseguir ser o que eu quero ser”. Acho isso alucinante. Oxalá servisse de exemplo para outros países.
Também fiquei impressionado com o que li recentemente numa entrevista que afirmava que se ensina aos alunos a estar e não se lhes ensina a ser. E é verdade. Dizia: “Os alunos, quando abandonam os estudos e chegam ao mundo laboral, estão à espera de que alguém lhes diga o que têm de fazer, porque estão acostumados apenas a obedecer a ordens. Não são capazes de gerir o seu próprio tempo e de chegar a um objetivo.” Este é um problema grave no mundo laboral: que as novas gerações estão demasiado acostumadas a obedecer a ordens, não são proativas, sobretudo pelo medo do fracasso. É preciso mudar isso.
Hoje, a maior virtude que deve ter um líder, do tipo que for, seja ele chamado empresário ou professor, é tratar de conectar os talentos dos seus funcionários ou dos seus alunos. Se for capaz de conectar os talentos de todos eles, a sua equipa ou a sua turma será imparável. E cada pessoa é diferente e tem uma habilidade especial: É preciso conseguir que, numa equipa, cada um dê o melhor de si mesmo.
Muitos alunos na aula sentem-se inúteis, sentem que são mais idiotas que os outros, que não aprendem ao mesmo ritmo, acreditam que não vão poder alcançar nada nas suas vidas. A mesma coisa acontece com os funcionários : ficam desmotivados, pensam que nunca poderão prosperar profissionalmente. Mas se trabalharem em equipa, estes alunos que não são os melhores em matemáticas, por exemplo, às tantas são os que melhor falam em público, ou são os mais criativos, ou os que são capazes de trabalhar com as mãos de uma forma muito melhor que os outros. Se todos derem o melhor si mesmo, todos se sentirão importantes, úteis, e descobrem que na verdade podem chegar a ser alguém. Daí a importância do trabalho em equipa e que o professor seja mais um companheiro de viagem.
Einstein disse: “Se julgas um peixe pela sua capacidade de subir a uma árvore, ele viverá toda a sua vida a pensar que é um idiota.” E é verdade. Adoro dar exemplos aos jovens de histórias de pessoas que podem chegar a admirar ou não, mas que sem dúvida são um exemplo. Steve Jobs não era o melhor em matemática, provavelmente nem sequer era o melhor engenheiro do mundo… Mas teve uma visão. Einstein ou Bohr – que foi prémio Nobel da Física – não era ótimos alunos, mas revolucionaram o seu mundo. Insisto com eles: “Não fiquem frustrados por não serem os melhores nalguma coisa, mesmo se devem continuar a tentar sê-lo”. Sempre tereis algo de bom com que contribuir.»
O mundo empresarial é exatamente igual: Qualquer funcionário tem uma virtude ou um talento que pode valer muito à sua empresa. Apenas é preciso dizer-lhe que o faça ou que tente fazê-lo. O trabalho de um líder ou de um professor é dar a todos o poder para que o possam fazer e deem o melhor deles mesmos. Sem se preocuparem com erros cometidos, mas muito atentos para aprender com eles. Ao fim e ao cabo, a melhor maneira de aprender, inclusive a andar, é confundir-se.
Sobre David Calle
David Calle é engenheiro de telecomunicações e fundador da Unicoos, um canal de vídeos no YouTube e da unicoos.com, uma academia online com centenas de vídeos sobre matemática e ciências. Calle ficou classificado entre os 10 finalistas do Global Teacher Prize 2018, “o Nobel da educação”, e recebeu o prémio“Youtuber do ano” nos prémios Bitácoras 2016. É considerado pela revista Forbes como uma das 100 pessoas mais criativas do mundo.
People First é um espaço de inspiração onde partilhamos conteúdos com um eixo comum: as pessoas. De diferentes perspetivas e setores, abordamos diferentes temas, tendências e notícias de interesse humano.