Marc Cortés – Os desafios da transformação digital
- Julho 09, 2019
Marc Cortés, sócio e diretor-geral da RocaSalvatella.
Transformação digital. São as duas palavras que estão agora na boca de toda a gente. Em que consiste e a que se deve o seu auge?
Durante muito tempo, “tudo o que é digital” foi um conceito do qual se falou muito, mas que dentro das organizações sempre esteve afastado da tomada de decisões. No início, era um assunto vinculado à tecnologia – uma Web, uma aplicação…-, mais tarde, apareceram as redes sociais e passou a estar sob a alçada dos departamentos de marketing. Hoje em dia, quando se fala de transformação digital, refere-se já uma preocupação da direção, o management. É que, no final de contas, a transformação digital não deixa de ser uma mudança da abordagem da empresa em relação aos seus mercados. Isso afeta três grandes âmbitos da empresa: a visão – Como adaptá-la? -, a atividade ou o próprio negócio – Como é que o meu negócio será afetado por tudo o que é de índole digital? Como mudam os processos, os meus pontos de contacto com os meus clientes? Como é que os produtos podem evoluir para serviços? – e a cultura da organização.
De que maneira os processos de transformação digital redefinem ou alteram a estratégia e o modelo de negócio de uma empresa?
A mudança fundamental advém do uso que o consumidor faz da tecnologia para consumir produtos e relacionar-se com as marcas. De facto, a nível setorial, todos não foram afetados da mesma maneira. Em setores como o turismo ou a banca, onde tudo o que se prende com o digital transforma a sua proposta de valor, a mudança modificou de maneira muito clara o relacionamento entre consumidor e empresas. A banca transforma-se porque o que é digital afeta a sua maneira de se relacionar numa área de atividade onde a confiança é a base. No caso do turismo, o que é digital afeta a reputação que têm os destinos, os hotéis, os restaurantes…
Poderíamos dizer que o que é digital é como uma grande mancha de azeite que se vai estendendo e impregnando num negócio e a maneira como este negócio se relaciona com o meio. Esta transformação digital pode afetar dois aspetos básicos da organização: o modo de se relacionar e a proposta de valor. Pode afetar ambos ou apenas um. Aquele que seguramente é afetado é o primeiro, porque o utilizador consome de forma distinta à de anteriormente, mas não por dispor agora desta tecnologia, mas sim pela oportunidade de fazer coisas diferentes.
Como afeta a reputação? E a proposta de valor?
A reputação sempre foi um fator de venda ou de compra, agora dispõe-se da possibilidade de aceder à mesma de forma mais rápida sem precisar de conhecer, por exemplo, alguém que tenha estado nesse destino ou nesse hotel. Relativamente à proposta de valor, pode mudar no caso de um banco ou do turismo, ao passo que, talvez, no caso de uma sapataria, esta não mude. Continuará a vender calçado, mas pode, efetivamente, mudar a forma como se relaciona com o mercado.
Existem diferenças entre a importância, a perspetiva ou a maneira de abordar a digitalização entre as grandes empresas e as PME?
Para as PME, a digitalização é uma enorme oportunidade porque permite competir em campeonatos que até então não eram os seus. A digitalização não tem a ver com tecnologia; digitalização é entender como os nossos processos estão a ser afetados porque o nosso consumidor ou as formas de pagamento mudam e aproveitar as capacidades digitais que podemos usar. A segunda grande mudança é entender os objetivos de negócio e como defendê-los.
Qual é a diferença entre uma PME, por exemplo, uma loja de roupa, e uma grande empresa de moda que tem lojas espalhadas por todo o mundo? A primeira conhece perfeitamente os seus clientes, enquanto que, numa empresa com cinco mil pontos de venda, os funcionários dificilmente conhecerão os clientes, e mesmo que essa relação fosse pessoal, não acrescentaria valor à relação global da marca com esses clientes. Em contrapartida, no caso de uma loja de roupa que, para dar um exemplo, dispõe de 5 pontos de venda, conhece realmente os clientes e pode efetivamente ser uma ferramenta na sua relação com eles.
Os ativos de conhecimento, digitalização, transformação no negócio, estão relacionados com big data?
Com big data ocorre um pouco a mesma coisa que com a transformação digital. Dispomos de ferramentas e de computadores capazes de processar enormes quantidades de dados para responder a uma pergunta, mas… a que pergunta? Para dispor de big data, teremos de dispor antes de uma big question. Em ambos os casos, o importante é o ponto de vista sobre o negócio e a tecnologia tem de ser interpretada deste ponto de vista de negócio.
Durante muitos anos, as empresas de telecomunicações não usaram dados de roaming e, no entanto, estes forneciam muitíssima informação sobre o que uma pessoa fazia, onde se encontrava, como se deslocava, etc. Se eu dispuser de roaming dos turistas em Barcelona, conhecendo, além disso, a sua proveniência, poderia saber por que zonas andam, em função de ser de manhã, de tarde ou de noite, onde estão hospedados, etc. Deste modo, os big data revestem-se de sentido se, por exemplo, na qualidade de cidade, quiser saber o que os Russos fazem e, assim, ajustar a oferta. Aqui é onde preciso de ter a big question.
Outro exemplo é a banca. Os TPV foram, durante muito tempo, uma ferramenta de pagamento que sempre teve um custo para o comércio, que tinha de pagar ao banco uma percentagem. Ora, este TPV pode fornecer dados como o código postal dos clientes que pagam com cartão e conhecer, assim, a zona de influência do meu negócio. Se eu tiver um restaurante, o banco terá informação relativa à concorrência, pelo que poderá avaliar o que fazer com ela e colocar à disposição novos serviços ligados a esta.
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